Sexta, 15 de novembro de 1918. Virginia Woof. Diário 1915-1926

A paz já se diluiu rapidamente na luz dos dias vulgares. Vai-se a Londres e não se encontra mais do que dois soldados bêbedos; só uma multidão ocasional bloqueia a rua.  Dentro de um ou dois dias um soldado raso já não poderá ameaçar um oficial que lhe rebentava os miolos, como vi acontecer há dias em Shaftesbury Avenue.  Mas também ná uma nítida mudança nas mentalidades.  Em vez de sentir o dia inteiro, e ao ir para casa, por ruas escuras, que toda a população, quer o quisesse quer não, estava concentrada num só ponto, agora sinto que toda ela explodiu em bocados que se separam e se afastam com o maior vigor em diferentes direcções.  Somos de novo uma nação de invidíduos.  Uns gostam de futebol; outros de corridas de cavalos; outros gostam de dançar; outros de…deixá-lo, estão todos a correr de um lado a outro muito satisfeitos, despindo as fardas e voltando a ocupar-se dos seus assuntos pessoais.  Ao voltar do Clube, hoje à noite, pensei por um momento que ainda devia ser o pôr do Sol, tão intensas e brilhantes eram as luzes de Piccadilly Circus.  AS ruas estão cheias de gente perfeitamente despreocupadas; e as lojas ostentem luzes sem pantalhas.  Mas isto também é deprimente.  Abrimos o espírito para podermos refelctir numa coisa  que pelo menos era universal; contraímo-lo imediatamente perante as zaragatas de Lloyd Gerorge, e as eleições gerais.  Nem se pode ler os jornais.  O meu sentido de perspectiva mudou tanto que, a princípio, não consigo perceber o que quererão dizer todos estes mexericos dos partidos; não há forma de uma pessoa se interessar.  Outros terão mais direito à preguiça do que eu.  Prevejo um ou dois anos de lassidão, exceto no caso das profissões liberais.  Esses farão as coisas à sua maneira.  As massas vão jogar futebol e críquete, e passar o tempo em caçadas no campo.  O primeiro efeito da paz no nosso círculo foi ter libertado o Desmond, e ter trazido o Gerald Shove a Londres, dizendo que tem de encontrar maneira de ganhar quinhentas libras por ano.  Em breve será enorme a multidão dos intelectuais desempregados à procura de trabalho.

Olhando de perto, todas as sensações de vida são parecidas.  Muitas pessoas indo e vindo, gente de férias voltando ao trabalho, amigos que se despedem, abuelita começando uma nova vida…é um ciclo que se repete por décadas, séculos, talvez milênios.  Virginia dizendo que “a paz já se diluiu nos dias vulgares” é justamente o que vivemos hoje…Há ainda muitos sem perceber que os dias vulgares também são maravilhosos.  É o ser humano dizendo não à felicidade de viver dias comuns.  E eu me recuso.  Não quero que a minha paz se dilua nos dias vulgares!