Os Gigantes do Galpão

Escrita por um dos escritores mais representativos da literatura moderna, o italiano Luigi Pirandello (1867-1936), Os Gigantes da Montanha é um exemplo da potencia da palavra poética do autor, ensaísta e director de teatro siciliano. Prêmio Nobel de Literatura em 1934, sua obra provoca reflexão e questionamentos sobre arte cênica e dramática, com pinceladas de ficção e realidade que exploravam a tradição elisabetana da “peça dentro da peça” e temas referentes aos bastidores da maquinária cênica.
Escrita em 1936, Os Gigantes da Montanha é uma obra inacabada pela morte do autor e deixando um final aberto a diversas interpretações. Narra a chegada de uma companhia de teatro decadente a uma vila mágica, povoada por fantasmas. É uma alegoría sobre o valor do teatro, da poesia e a arte como um todo e sua capacidade de comunicação com o mundo moderno, cada vez mais pragmático e materialista.
Ontem, tive a felicidade de assistir a montagem da peça com o maravilhoso Grupo Galpão de Belo Horizonte. Com direção do talentoso Gabriel Villela, o espetáculo é de um surrealismo lírico que emociona. Música ao vivo tocada e cantada pelos atores em italiano, francês e espanhol, cenário e figurinos que trazem diversas referências, numa alquimia de cores digna dos melhores espetáculos. O erudito com o popular. A vanguardia com a tradição. Viva o teatro. Viva o Grupo Galpão!
galpao

Escrevivências

Hoje recebi uma carta.  Projeto criado por uma amiga.  Somos 25 mulheres numa grande roda, usando carta de papel, envelope, selo e correio.  Não sei se a inspiração veio das Cartas Negras, o projeto criado por Conceição Evaristo e algumas amigas escritoras nos anos 1990.  Essa troca de correspondências entre elas foi além das questões pessoais e discutiram temas universais, como solidão, machismo e racismo.  Nas cartas propostas por Verónika, a minha amiga, a ideia é dar materialidade aos escritos.  Me peguei querendo enviar a carta a minha “pen pal” com arte.  Dobrei o papel, desenhei o número da página, me tornei artista.  Essa coisa lúdica que o papel oferece e que a ideia de alguém receber algo feito pelas próprias mãos traz consigo.

Nem lembro quando foi a última vez que recebi uma carta, nem de quem.  Também não lembro quando foi que eu parei de escrever cartas.  Já escrevi tantas para tanta gente! Quando era adolescente, enviei o meu endereço para ser publicado numa revista chamada Coqueta e recebi tantas, mas tantas cartas de todos os lugares da América Latina e Espanha, que o carteiro ficou amigo da minha abuelita (que acompanhava com alegria cada chegada) e de mim.  As cartas despertaram em mim esse desejo de conhecer o mundo.  Era como se através delas eu saísse para longe.  Depois, o meu exílio voluntário para o Brasil, me fez escritora consciente, com cartas mais longas e mais cargadas de emoção.  Nem sempre recebia respostas com emoção.  Muitas vezes, na minha vontade de querer receber emoção, ficava desapontada pelas cartas cheias de clichês do tipo “Espero que te encontres bem ao recebimento desta missiva” ou “Son los sinceros deseos de”.  “Atenciosamente” me matava!

Ainda conservo uma caixa com as melhores cartas recebidas e vez ou outra faço uma visitinha para saber que contam de novo.  Fico pensando o que há nas cartas que não há nos livros?  Elas nos levam ao mais íntimo dos pensamentos das pessoas.  A letra, a forma de escrever, a folha usada, a caneta, os erros ortográficos, os riscos, as correções, tudo isso vai preenchendo o coração desse vazio chamado saudade.  É como se tivéssemos a pessoa na nossa frente.  Ou é como se saíssemos do nosso entorno para ir ao encontro do outro.  Cartas.  Há na literatura uma quantidade infindável de autores que usaram essa forma de expressão. Talvez seja doloroso, para alguns, penetrar no íntimo dos autores que tanto gostamos, mas definitivamente é um mergulho profundo na alma deles.

A tragédia humana de Ferrante

Sabe aquela sensação de perceber que outra pessoa está te olhando sem querer que você perceba?  Aquele olhar que indaga e quer penetrar esse limite que permeia o pessoal, o interior, o “teu segredo”?  Às vezes sinto que alguns autores agem desse modo.  Chegando perto e falando ao ouvido.  Acontece também com músicas.  As que te pegam repetindo alguma frase que tem tudo a ver contigo ou nada a ver mas gostaríamos que tivesse.

Histórias narradas em primeira pessoa, reais ou imaginárias, tem esse poder de falar de um modo bem pessoal e íntimo, como conversando descontraidamente num café, bar, na areia, na beira da piscina.  Chorando junto, rindo, nos surpreendendo com o outro ou com nós mesmos.  Virginia Woolf, Roberto Bolaño, Piglia, Dostoyevsky, Murakami, Valter Hugo, Chimamanda, García Márquez, Cortázar…a lista de “amigos” é longa.  Talvez esse contar dos outros é o que gostaríamos de dizer mas não encontramos as palavras.  Quiçá essa parte da história é difícil de organizar e relatar com um começo, um meio e um fim.  Quando um artista consegue fazer você sentir um toque, cheiro e todas as sensações que uma boa obra é capaz de transmitir, ai sim somos capturados para esse buraco negro, o olho do furacão que é a vida.

É noite.  Chove lá fora e Meg está sentada ao lado da janela, vendo os relâmpagos e a chuva cair.  Imagem bonita, não? O que será que ela pensa? Virginia Woolf escreveu um livro em primeira pessoa sobre o seu Cocker Spaniel chamado Flush.  Michail Bulgakov escreveu o maravilhoso Heart of a Dog contando as peripécias de um cão humanizado.  Essa contemplação da natureza e seu entorno é tão intensa nos animais.  Parece que eles enxergam além da chuva, ouvem mais os trovões, se interessam mais pelas sutilezas desse mundo vasto que embelezam.  Precisamos crescer muito para chegar a esse nível.  E eu?  Lendo Dias de Abandono, da Elena Ferrante e me fazendo todas essas perguntas anteriores.  Fiquei me perguntando como será seu processo de criação.  Escreve uma frase de uma vez só?  Como organiza esses pensamentos na sua cabeça?

Conheço Ferrante pelas histórias da Lenu e Lila, personagens principais de A Amiga Genial.  Gostei muito de entrar na vida dessas duas meninas italianas que contavam como era crescer em Napoli nos anos 50.  A paisagem, as famílias, as roupas penduradas, os gritos das mães dizendo “comida pronta!!!!” me transportaram à minha infância, que mesmo desse lado do planeta, foi tão parecida!

Dias de Abandono além de ser uma história feminina (território muito bem conhecido por Elena Ferrante), é uma história de homens, de crianças, de cães, de juventude, de velhice, de mágoas guardadas e culpas atribuídas a outros pelo simples fato de ser mais fácil assim.  Contada em primeira pessoa parece ainda mais pessoal e real.  É como se a Olga, a personagem principal, estivesse desabafando comigo, me fazendo parte dos seus mais íntimos pensamentos à velocidade máxima (streams of consciousness que Virginia Wool, James Joyce, Marcel Proust faziam tão bem).  Olga não tem medo de nada…cospe tudo, do jeito que vem para dentro e para fora…palavrão, soco, comentários cruéis, realidades da vida que antes não ousava se permitir pensar e muito menos fazer.  Essa autodestruição que chega após a quebra, o abandono, o divórcio, em forma de furacão até destruir tudo o que poderia trazer memórias de um tempo que foi bom.

Li uma vez algo que o Nietzsche tinha escrito em Assim Falou Zaratustra: “Você tem que estar preparado para queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?” Foi mais ou menos isso o que Olga fez.  Ela se queimou, e queimou bonito! O resultado, apesar de ter carregado consigo nesse incêndio os filhos, o marido e a atual mulher e até o vizinho, foi de tirar o chapéu.  Ela conseguiu ressurgir do próprio inferno e com força máxima.  O marido, que foi o estopim desse incêndio todo, talvez nem percebeu a fumaça…ele estava bem ocupado vivendo a sua nova vida com uma mulher mais jovem.

Foto: Turim, Itália

turim-italia-andre-s-ribeiro-creative-commons-1

Menos arrogancia y más AMOR, por favor!

Mujeres.  Féminas.  Madres. Heroínas. Amantes. Guerreras. Poderosas. Por qué será que es tan difícil aceptar que el tiempo pasó, hemos evolucionado, ya no vivimos en cavernas, tenemos las mismas obligaciones de familia y trabajo? Si las mujeres han comenzado a demostrar que están decididas a no ir para atrás ni un poquito más, que ya no quieren más ser metidas en la caja doméstica-secretarial-asistente-secundarias que por tanto tiempo tuvieron que aceptar para no desaparecer del mapa, también me parece justo que los hombres comiencen a replantear sus papeles en toda esta transformación.  No evolucionamos solas y sí con la compañía de nuestros mejores aliados, los hombres.  El camino es arduo aún.  Llegar al punto de tener que pelear contra las desigualdades sociales que hace miles de años fueron establecidas por los hombres machistas es un trabajo diario y agotador.  Los movimientos feministas de los últimos tiempos están pidiendo una reacción por parte de los hombres, pero el tiempo de ellos parece que es más demorado.  No es tan urgente para un hombre reivindicar derechos y autonomías que ellos hace siglos han tenido en bandeja de plata.  No es tan urgente para un hombre luchar para que sus mujeres tengan un salario más igualitario (lo que sería genial para la estructura familiar).  No es tan urgente para un hombre que una mujer pueda romper ese techo de vidrio y pueda ocupar puestos de mando.  No es tan urgente para un hombre que las mujeres tengan el derecho de poder estar por la calle a cualquier hora, sin la necesidad de pánico.  No es tan urgente para un hombre que una mujer tenga autonomía sobre su cuerpo y pueda decidir si tener o no un hijo.  Claro que hemos visto muchos avanzos, pero falta MUCHÍSIMO todavía.  Lo que falta es que los hombres nos presten atención, hagan más silencio, se pongan en nuestros lugares (así como nosotras nos ponemos en sus lugares desde siempre), nos escuchen como quien escucha a las voces femeninas del GPS (y no por coincidencia, las voces femeninas de toda la tecnología – Siri, Google Translator y muchas otras herramientas) y sigan nuestros pasos si es necesario.  Menos arrogancia y más amor…por favor! stereotype

O filho de mil pais e de mil mães

A sensação de acabar um livro e de sentir na pele como todas e cada uma das letras penetra nos poros, como a alimentar-se de ar, de coisas boas, de felicidade, de novas possibilidades, é o verdadeiro elixir.  Nirvana literário que nos torna mais humanos.  E com humanos quero dizer em todos os sentidos! Mais humanos de amor, de fraquezas, de poderes, de inteligência, de belezas e feiúras.  É como se a través da leitura de um bom livro, possamos redimir todos esses seres humanos que de uma maneira ou outra nos fazem sentir vergonha do humano alheio.  Há muitas coisas ruins nesse extenso mundo.  Mas também há tantas coisas belas! Eu sempre prefiro navegar pelo belo.  Acredito que seja um jeito mais relaxado de ver a vida, uma maneira de ter compaixão comigo e com a humanidade.

Poderia enumerar muitos livros que me fizeram melhor pessoa, mas o livro em questão é O filho de mil homens, uma obra sensível e crua do angolano naturalizado portugués Valter Hugo Mãe.  Várias histórias que vão se costurando como uma colcha de retalhos, pedaços que vão se juntando e formando um todo incrível.  Assim como a vida mesma.  Não é assim que nós nos tornamos o que somos? Um pedaço daqui, outro pedacinho de acolá, voltamos para o começo, seguimos enfrente, reforçamos alguns pontos e assim vamos.

O filho de mil homens é uma história de buscas, de homens e mulheres pela metade, do preconceito que faz alguns perder o amor com que vieram ao mundo, de diferenças, de puerilidade, de familia, de inocência.  Presente do amigo Márcio Carneiro, a deliciosamente linda edição da Biblioteca Azul não poderia chegar em melhor momento! Verão, sol, férias, amigos, lugares explorados, passeios de barco e trilhas desbravadas.  O livro é um verdadeiro mergulho para dentro de si, como trilhar lugares para dentro do corpo.

 

O Crisóstomo começou a pensar que os filhos se perdiam, por vezes, na confusão do caminho.  Imaginava crianças sozinhas como filhos à espera.  Crianças que viviam como a demorarem-se na volta para casa por terem sido enganadas pela vida.  Acreditou que o afecto verdadeiro era o único desengano, a grande forma de encontro e de pertença.  A grande forma de familia.

 

Para entreter curiosidade, o velho Alfredo oferecia livros ao menino e convencia-o de queu ler seria fundamental para a saúde.  Ensinava-lhe que era uma pena a falta de leitura não se converter numa doença, algo como um mal que pusesse os preguiçosos a morrer.  Imaginava que um não leitor ia ao médico e o médico o observava e dizia: você tem o colesterol a matá-lo, se continuar assim não se salva.  E o médico perguntava: tem abusado dos fritos, dos ovos, você tem lido o suficiente.  O paciente respondia: não, senhor doutor, há quase um ano que não leio um livro, não gosto muito e dá-me preguiça.  Então, o médico acrescentava: ah, fique pois sabendo que você ou lê urgentemente um bom romance, ou então vemo-nos no seu funeral dentro de poucas semanas.  O caixão fechava-se como um livro.

 

O silvo entrava pelo entreaberto da janela que o velho Alfredo teria deixado assim para respirar.  Encostado à parede, como sentado a ver o escuro, já não diria mais nada.  Não parecia aflito, não tombara.  Segurava-se dignamente sentado, como se tivesse deixado a alma a puxar ainda os cordéis do corpo feito marionete.  Talvez a janela estivesse aberto porque a alma solta já não lhe coubesse numa casa tão pequena.  Talvez não lhe coubesse o amor, agora que fora do corpo se estendia pela infinitude dos sentimentos à procura da mulher.  O Camilo escutando sempre o silvo, noite inteira, acreditou que a sua intensidade era a junção da voz do velho Alfredo à da Carminda.  Julgou que lhe diziam que estavam por ali.  O rapaz, que ficara de boca cheia com os seus nomes e os dizia para si mesmo, jurando a memória, deixou mesmamente a janela entreaberta.  Pensou que, por uma noite, estariam bem assim as coisas, assim como o avô as preparara.  Aconchegou-se com duas mantas no velho sofá e não dormiu.  Partilhou como pôde o momento da morte com o avô, o seu único familiar, a única pessoa que efectivamente lhe pertencera até então.  No escuro, apenas com um impreciso luar criando sombras e definindo os contornos dos objetos maiores, o Camilo percebeu que a casa cedia.  Talvez o avô não tivesse lido um bom livro, talvez não tivesse lido nada, preocupado que estava com cuidar do neto e motivá-lo.  O Camilo estendeu a mão à pequena mesa ao pé do sofá e agarrou o livro que ali estava.  No escuro seria impossível reconhecer as palavras.  Lembrou-se, no entanto, de o haver pousado ali.  Lembrou-se do título, do autor, lembrou-se do que lhe dissera o avô: este cura-te um cancro.  Gostaria de acreditar que pudesse curar a morte.  O livro, mesmo no escuro e mesmo assim fechado, fez-lhe companhia.

 

Quando se conhece alguém, pensou Crisóstomo, procuram-se as exuberancias dos gestos, como para fazer exuberar o amor, mas o amor é uma pacificação com as nossas naturezas e deve conducir ao sossego.  O gesto exuberante é um gesto desesperado de quem não está em equilibrio.

 

O Crisóstomo então levantou-se, atravessou o quarto, saiu, foi ver o Camilo deitado e beijá-lo para dormir e disse-lhe: nunca limites o amor, filho, nunca por preconceito algum limites o amor.  O miúdo perguntou: porque dizes isso, pai.  O pescador respondeu: porque é o único modo de também tu, um dia, te sentires o dobro do que és.

 

Naquele dia, a Isaura foi sentar-se e pôr flores na campa da Maria.  Não rezaría, mas pensou em como haviam vivido as duas perdidas uma da outra e em como talvez fosse fácil ter sido tudo melhor.  Parecia fácil agora corrigir cada erro do pasado, sobretudo para não permitir que cada erro contagiasse o resto, destruindo cada instante e cada gesto sem retorno.

 

Deve nutrir-se carinho por um sofrimento sobre o qual se soube construir a felicidade, repetiu muito seguro.  Apenas isso.  Nunca cultivar a dor, mas lembrá-la com respeito, por ter sido indutora de uma melhoria, por melhorar quem se é.

 

O Crisóstomo disse ao Camilo: todos nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo.  Como se os nossos mil país e mais as nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros.  Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão pasando de pessoa em pessoa, que nunca estaremos sós.

vhm

O som do Silêncio

Silêncio. Silêncio. Silêncio interrompido pelo canto dos sabiás, os bem-te-vi e os quero-quero dirigindo-se à outras paragens dessa Mata Atlântica…Os beija-flores querendo sugar o melhor da manhã.  O vento que chega de mansinho, acariciando as árvores e entrando pela porta da cozinha.  Tudo numa sinfonia equilibrada onde os tons altos se diluem nos mais baixos.  É o dia dizendo bom dia.  Ou a noite dizendo boa noite.  Tudo numa comunhão que só os que temos essa conexão com a natureza somos capazes de ver, ouvir e sentir.  É o som do silêncio.

Hoje, o silêncio foi violentado.  Um grito aqui, outro grito acolá.  O som alto saindo das casas alugadas para passar o réveillon.  Parece até que foi anunciado o fim do mundo.  O povo querendo extravasar os anseios, as alegrias reprimidas o ano todo, o pouco respeito com o desconhecido, o querer dizer de maneira estridente “estou aqui e quero me divertir”.

Sim, já sei.  Nem todos tem a honra de morar num paraíso, numa zona de conforto, no meio à natureza ouvindo cantar os pássaros.  Já sei.  Mas também sei que as pessoas poderiam respeitar mais essa natureza que sussurra e diz bem baixinho “silêncio…ouça o som do meu coração…enche de ar os pulmões e sinta-me…silêncio…”

Los 25…

1989.  Último año de la década. Grandes esperanzas para los noventas.  Yo tenía 25 años.  Mil novecientos y ochenta y nueve trajo una serie de transformaciones en el mundo, que se convirtieron en lo que somos hoy.   La guerra fría llegaba a su fin, el muro de Berlín fue derrubado, Collor de Mello ganaba las elecciones en Brasil y se convertía en el primer presidente civil escogido por votos,  mientras el pueblo reía a carcajadas con la sátira de la novela Qué Rei Sou Eu?  En China, un joven desafía un tanque de guerra y la foto de la Associated Press recorre el mundo como símbolo de resistencia y coraje.  En Romenia, el sanguinario dictador Nicolau Ceausescu fue fusilado en la Navidad con transmisión en vivo para el mundo (pre Big Brother).  Salvador Dalí pasó a otro plano y Raúl Seixas (ícono del rock brasileiro) también.  En 1989 los Estados Unidos invadieron Panamá, al mando del entonces presidente George W. Bush (padre) y llamaron la operación de Causa Justa (yeah right!), dejando el país violado y su economía fragilizada.

Y yo aquí, con 25 años, sin internet, ni whatsapp.  Sólo había teléfono y cartas (por correo!).  Un cuarto de siglo y yo sin saber qué es lo que la vida me ofrecía.  Me sentía adulta a veces y niña otras veces.  La verdad, estaba viviendo la vida, saboreando lo que conseguia agarrar de ella, lo que conseguia leer.  Paulo Coelho estaba robándose la escena literaria con O Alquimista, que leí como todo el mundo.

Hay gente que a los 25 ya tiene hijos, pasa por mucho.  Michael Jackson lanzó el álbum Thriller a los 25! 58 discos de platino en 28 países, en 6 continentes, 8 Grammy en Estados Unidos! Me puse a pensar en los 25 cuando supe que Chimamanda Ngozi Adichie escribió Purple Hibiscus a los 25! O sea.  Qué percepción de mundo y de vida tenía ella, ya a los 25.  Increíble.  Me dieron ganas de escribir.  Qué inspiración esta mujer nigeriana me dió!  Bueno, los libros tienen eso.  Ellos me inspiran y me llenan el alma de sentimientos de humildad, caridad…me llenan el alma de sueños.  Purple Hibiscus.  Un libro extraordinariamente bien escrito por Chimamanda Ngozi Adichie (escribo el nombre varias veces para aprender cómo se escribe!), que habla de amor, de tiranía, de religión, tradición, família.

“Being defiant can be a good thing sometimes,” Aunty Ifeoma said.  “Defiance is like marijuana – it is not a bad thing when it is used right.”

Purple Hibiscus es una historia contada en primera persona por una adolescente de 15 años, Kambili (con acento en la primera sílaba), que navega entre dos mundos: el del amor y felicidad, vivido por su tía Aunty Ifeoma y su familia, y la tiranía enfermiza de su padre, que como muestra de amor tiene un régimen dictatorial y cruel, capaz de los más bárbaros castigos hacia su mujer y sus hijos.  Chimamanda consigue contar esa historia de crueldad y de amor con un lenguaje poético que me dejó pensando muchas veces por qué #$%%$$#### yo no puedo escribir así!

Aunty Ifeoma came the next day, in the evening, when the Orange trees started to cast long, wavy shadows across the water fountain in the front yard. Her laughter floated upstairs into the living room, where I sat reading.  I had not hear it in two years, but I would know that cackling, hearty sound anywhere.  Aunty Ifeoma was as tall as Papa, with a well-proportioned body.  She walked fast, like one who knew just where she was going and what she was going to do there.

Desde el primer capítulo, uno se da cuenta que esta no es una historia de amor.  Comienza con una pelea horrible en la familia, para después todos ir a la misa como si nada.  Esa fragilidad de momentos, entre la felicidad y la angustia nos deja una sensación de ir hasta el fin, descubrir cómo y por qué Papa es así, cómo y por qué la madre es tan pasiva, cómo y por qué Jaja es uno de los personajes más fuertes de la historia, cómo y por qué Aunty Ifeoma puede ser tan diferente de su tirano hermano.  Algo parecido sentí cuando leí To Kill a Mockingbird, de Harper Lee.  Libro lindamente escrito también y que siempre que puedo leo…es de aquellos que se quedan guardados en el corazón.

Above, clouds like dyed cotton wool hang low, so low I feel I can reach out and squeeze the moisture from them.  The new rains will come down soon.

Ya quiero leer Americanah.  Chimamanda Ngozi Adichie sembró en mí la semilla.  Quiero más.

purple

Flip 2017. O homenageado era ele, mas a festa era de todos!

IMG_4752Uma das coisas que tinha há exatamente 15 anos marcada na minha “wish list” era assistir à Flip – Festa Literária Internacional de Paraty.  Como assim que eu, do jeito que gosto de livros, de ler, de conhecer vidas e histórias, ainda não havia conseguido ir?  Pois é…acredito no tempo exato para passar por experiências na vida e esse tempo era agora.  A Flip 2017 comemora 15 anos  e o homenageado, Lima Barreto, um dos mais importantes escritores brasileiros e presença obrigatória em qualquer biblioteca do Brasil e do mundo, fez bonito.   Conheci Afonso Henriques de Lima Barreto por recomendação do Ricardo Reis, meu irmão de Jataí.  Um dia ele me deu uma edição barata, comprada num sebo da Luz, em São Paulo.  Me disse que eu precisava conhecer Lima Barreto urgentemente.  Ele estava certo.  Apartir de então, gostei desse carioca de origem humilde, negro numa Rio de Janeiro marcada pela divisão de classes, mas que soube aproveitar a influencia das belas letras europeias que chegavam do outro lado do Atlântico.  Foi difícil, ainda o é, ser numa sociedade que faz de tudo para humilhar, para te convencer que você não é ninguém, que você vale menos que um pedaço de pau.

Chegando na Flip, na mesa A Pele que Habito, um depoimento belíssimo e tocante de uma mulher, neta de escravos, “educada” pelas freiras das missões que pegavam crianças pobres (léia-se negras) no interior de Paraná para educar, mas segundo Diva Guimarães, foi para trabalhar, e muito! Diva botou o Lázaro Ramos (que homem lúcido e representante de essa humanidade linda que há que imitar) para chorar.  E como chorou o Lázaro.  Como choramos todos imaginando a dor, o sofrimento e humilhação…tudo por uma cor, que para mim, é linda.  Por que será tão difícil para algumas pessoas entender que não tem uma cor melhor ou pior? Quanta maior a variedade de cultura, tradição, história, melhor, não é?  A Diva foi ovacionada.  Talvez os mesmos que aplaudiram, tenham empregadas negras e negros dormindo num cubículo das suas grandes casas.  Talvez esses mesmos que choraram não querem que as suas filhas namorem alguém de pele cor de canela.  Ou talvez, os de cor de canela querem que as suas filhas e filhos “melhorem a raça”.  E assim, a Flip faz o seu papel de festival para gerar idéias e pensamentos, debater questões importantes e trazer a vox populi ao palco.  O povo quer falar.

Lima Barreto, você viu o que gerou? A tua maneira polida de falar sobre os oprimidos, na língua dos opressores.  Gênio.

“Iria morrer, quem sabe naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito bem, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condenava? matando-o. E o que não deixara de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara – todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentara.  Triste Fim de Policarpo Quaresma.  (Lima Barreto)

 

IMG_4758.JPG

IMG_4759.JPG

IMG_4760.JPG

IMG_4764.JPG

 

 

 

Sexta, 15 de novembro de 1918. Virginia Woof. Diário 1915-1926

A paz já se diluiu rapidamente na luz dos dias vulgares. Vai-se a Londres e não se encontra mais do que dois soldados bêbedos; só uma multidão ocasional bloqueia a rua.  Dentro de um ou dois dias um soldado raso já não poderá ameaçar um oficial que lhe rebentava os miolos, como vi acontecer há dias em Shaftesbury Avenue.  Mas também ná uma nítida mudança nas mentalidades.  Em vez de sentir o dia inteiro, e ao ir para casa, por ruas escuras, que toda a população, quer o quisesse quer não, estava concentrada num só ponto, agora sinto que toda ela explodiu em bocados que se separam e se afastam com o maior vigor em diferentes direcções.  Somos de novo uma nação de invidíduos.  Uns gostam de futebol; outros de corridas de cavalos; outros gostam de dançar; outros de…deixá-lo, estão todos a correr de um lado a outro muito satisfeitos, despindo as fardas e voltando a ocupar-se dos seus assuntos pessoais.  Ao voltar do Clube, hoje à noite, pensei por um momento que ainda devia ser o pôr do Sol, tão intensas e brilhantes eram as luzes de Piccadilly Circus.  AS ruas estão cheias de gente perfeitamente despreocupadas; e as lojas ostentem luzes sem pantalhas.  Mas isto também é deprimente.  Abrimos o espírito para podermos refelctir numa coisa  que pelo menos era universal; contraímo-lo imediatamente perante as zaragatas de Lloyd Gerorge, e as eleições gerais.  Nem se pode ler os jornais.  O meu sentido de perspectiva mudou tanto que, a princípio, não consigo perceber o que quererão dizer todos estes mexericos dos partidos; não há forma de uma pessoa se interessar.  Outros terão mais direito à preguiça do que eu.  Prevejo um ou dois anos de lassidão, exceto no caso das profissões liberais.  Esses farão as coisas à sua maneira.  As massas vão jogar futebol e críquete, e passar o tempo em caçadas no campo.  O primeiro efeito da paz no nosso círculo foi ter libertado o Desmond, e ter trazido o Gerald Shove a Londres, dizendo que tem de encontrar maneira de ganhar quinhentas libras por ano.  Em breve será enorme a multidão dos intelectuais desempregados à procura de trabalho.

Olhando de perto, todas as sensações de vida são parecidas.  Muitas pessoas indo e vindo, gente de férias voltando ao trabalho, amigos que se despedem, abuelita começando uma nova vida…é um ciclo que se repete por décadas, séculos, talvez milênios.  Virginia dizendo que “a paz já se diluiu nos dias vulgares” é justamente o que vivemos hoje…Há ainda muitos sem perceber que os dias vulgares também são maravilhosos.  É o ser humano dizendo não à felicidade de viver dias comuns.  E eu me recuso.  Não quero que a minha paz se dilua nos dias vulgares!